Quando em 2010 a Playdead lançou um jogo chamado Limbo, o estúdio mostrou à indústria que o público estava sedento por novos títulos de plataforma cinematográfica. Bebendo de fontes como Another World, Flashback: Quest for Identity e Prince of Persia, o jogo conquistou muitos admiradores pela atmosfera sombria, quebra-cabeças desafiadores e belos gráficos.
Desde então, diversos outros desenvolvedores apostaram nesse subgênero, implementando suas ideias e trazendo algumas novidades a ele. Pois foram precisos 15 anos até que alguém, mais precisamente os finlandeses do Mureena e os taiwaneses do Psychoflow Studio, decidissem explorar a simulação de física em um jogo de plataforma cinematográfico.

Crédito: Divulgação / Mureena e Psychoflow Studio
Sem entregar muitos detalhes da sua história ou mesmo do seu protagonista, em Bionic Bay seremos um homem que se encontra em um mundo biomecânico aparentemente alienígena. Contudo, não são apenas as máquinas e armadilhas que tornam o lugar tão assustador, mas também a atmosfera e a linda estética criada em parceria pelos estúdios.
Avançar pelo mundo de Bionic Bay é ser atingido constantemente pela opressão, a ponto de o ar respirado pelo herói parecer pesado. A impressão é de estarmos em uma enorme fábrica alimentada pela morte, uma Matrix em que tomamos a pílula vermelha e nos arrependemos por isso.
Ainda assim, a aventura consegue arrancar algumas risadas do jogador e a responsável por isso é a simulação de física e a maneira como o nosso herói reage a ela. Logo no início o protagonista ganhará um poder que fará com que o seu corpo adquira propriedades elásticas. Desta forma o sujeito conseguirá realizar saltos sobre-humanos, além de resistir a quedas.
Ver o homem rolando pelos cenários como se fosse uma boneca de pano faz com que algumas situações sejam morbidamente engraçadas, mas a grande estrela do Bionic Bay é o seu sistema de teletransporte. Com ele podemos trocar de lugar com alguns objetos espalhados pelo cenário, o que será fundamental para superarmos os obstáculos.

Crédito: Divulgação / Mureena e Psychoflow Studio
Com alguns trechos exigindo uma precisão cirúrgica nos saltos e momentos de ativar a troca de lugar, os quebra-cabeças exigem engenhosidade do jogador e não será raro termos que repetir alguns trechos várias vezes, até entendermos qual a melhor solução. Mas para quem está acostumado com o gênero, isso já era de se esperar.
Com uma campanha que se estende por cerca de oito horas, seria difícil ela nos manter interessados apenas com uma ou duas mecânicas inventivas. Sabendo disso, as equipes do Mureena e do Psychoflow Studio acertaram ao dosar as novidades que nos são apresentadas, como a capacidade de reduzir a velocidade da passagem do tempo.
Mas além de nos manter curiosos sobre o que virá a seguir, ao exigir que diversas habilidades precisem ser utilizadas em conjunto, Bionic Bay consegue proporcionar aquela sensação de satisfação ao vencermos um quebra-cabeça, uma recompensa fictícia que serve como um importante combustível que nos motiva a continuar.
Os criadores acertaram ao fazer com que as “regras” que aprendemos em um trecho, logo sejam substituídas por novos padrões, novas maneiras de transpor alguma armadilha que se coloca à nossa frente. Assim, o jogo garante que tenhamos que reaprender suas mecânicas a todo momento e o que poderia ser apenas uma repetição de desafios poucos inspirados se mostra uma sequência de quebra-cabeças brilhantes.

Crédito: Divulgação / Mureena e Psychoflow Studio
Então, após morrer seguidas vezes em um local aparentemente intransponível ou ter que lidar com o silêncio ensurdecedor que nos acompanha durante boa parte do caminho, os game designers conseguem nos surpreender — e encantar — com alguma música emocionante ou o zoom-out cujo objetivo é mostrar a nossa insignificância perante um ambiente tão grandioso e hostil.
O que eu ainda não consegui decidir é se gostei ou não da maneira enigmática como o enredo nos é contado. Por um lado, me agrada quando um jogo espalha migalhas sobre o que está acontecendo no seu universo, mas por outro, o mundo de Bionic Bay é esteticamente tão interessante, que me incomodou não ter mais repostas sobre a ciência por trás da Companhia, ou até mesmo como tudo chegou ao ponto em que estamos.
Verdade seja dita, não são todos os jogos de plataforma cinematográficos que se dispõem a entregar uma história mais complexa, principalmente se considerarmos do Limbo para cá. Porém, enquanto a pura criação da atmosfera soa suficiente para num jogo de terror como o da Playdead ou um Little Nightmare, em um voltado para a ficção científica quase grita esse maior foco no enredo.

Crédito: Divulgação / Mureena e Psychoflow Studio
Em todo caso, falar sobre como os estúdios indies contribuem para manter os videogames oxigenados está se tornando redundante, mas desde o lançamento do Limbo e os vários jogos que ele inspirou, é difícil imaginar que isso seria possível se dependêssemos apenas das grandes editoras. No caso do Bionic Bay, essa ousadia, se é que podemos chamar assim, se traduz na utilização da física reativa ao ambiente, mas não podemos vê-lo apenas como um “Rag Doll Cinematic Platformer”.
Esse é um jogo desafiador, sem ser impiedoso; inovador, sem ser revolucionário; mas acima de tudo, viciante, sem ser apelativo. Jogue!