A minha paixão pelos RPGs começou lá no início dos anos 90, quando tive a oportunidade de jogar, no Master System de um primo, o espetacular Phantasy Star. Desde então, inúmeros títulos passaram pelos meus consoles e computadores, e por muito tempo defendi que aqueles com batalhas por turnos estavam ultrapassados, fadados a permanecerem apenas no passado. Eu estava errado.
Desenvolvido pela Sandfall Interactive, estúdio francês recém-fundado por ex-funcionários da Ubisoft que buscavam se livrar das limitações impostas por grandes empresas, Clair Obscur: Expedition 33 chegou conquistando milhões de admiradores (sem exagero!) e posso afirmar que tamanho sucesso é mais do que merecido.
Inspirado na estética Belle Époque francesa, período histórico que raramente é explorado nos videogames, o jogo combina uma narrativa sombria e extremamente interessante com um sistema de batalha que, mesmo se baseando nos clássicos do gênero, consegue inovador e ser bastante desafiador.

Crédito: Divulgação / Sandfall Interactive
Por contar com uma história que se torna melhor quanto menos soubermos dela previamente, não entrarei em detalhes. Porém, posso dizer que ela se passa em um mundo assolado por uma ameaça conhecida como a Artífice. Uma vez por ano ela surge para pintar um monólito com um número que diminui gradativamente e representa a idade de todos que desaparecerão.
Para tentar fugir desta maldição e evitar a iminente extinção da humanidade, pessoas de uma cidade elaboraram expedições anuais rumo a Lumière, uma ilha próxima ao continente e onde vive a Artífice.
Nós seremos Gustave, homem responsável por liderar a Expedição 33, mais uma missão suicida e que carrega consigo, além de alguns companheiros que o ajudarão, uma pesada carga emocional e a responsabilidade de salvar todos que ficaram no continente.
Além de entregar um enredo muito bem escrito e cheio de mistério, Clair Obscur: Expedition 33 brilha por abordar de maneira tão delicada alguns temas universais, como a solidão e a necessidade de lidarmos com a perda de pessoas que amamos.

Crédito: Divulgação / Sandfall Interactive
Contudo, se a história do jogo se destaca por conseguir nos manter interessados, ela não está sozinha nesta tarefa. De forma surpreendente, a equipe da Sandfall Interactive conseguiu criar um dos sistemas de batalhas mais divertidos já vistos em um RPG, ao menos quando se trata daqueles que apostaram em combates por turnos.
O motivo para isso se deve a maneira híbrida como ele funciona. Em Clair Obscur: Expedition 33 não bastará dar comandos para os personagens e esperar a vez deles agirem. Nele a participação do jogador será fundamental, tanto na hora de atacar quanto na de defender.
Embora mantenha a estrutura por turnos, ou seja, cada personagem e inimigo contando com seu lugar em uma fila, durante o turno será preciso realizar ações como esquivas, bloqueios e ataques no momento certo para obter o melhor desempenho.
Cada personagem do grupo tem um conjunto de habilidades e ataques, que podem variar entre golpes físicos, magias e técnicas especiais. No turno de um personagem, você escolhe quais ações ele realizará, mas ao invés de simplesmente assistir à execução, o jogo te dá o controle para interagir durante a ação.

Crédito: Divulgação / Sandfall Interactive
Por exemplo, dependendo do ataque realizado, teremos que apertar um determinado botão no momento certo para assim ampliar o dano causado. Pense nos jogos de ritmo ou no sistema de time attack presente em alguns RPGs modernos. E como um mesmo ataque pode desferir vários golpes, com cada um exigindo o pressionar de um botão, será preciso ter total atenção durante as batalhas.
Então, quando for a vez dos inimigos atracarem, teremos a oportunidade de evitar sermos atingidos. Isso acontecerá por meio de esquivas, bloqueios ou saltos, que abrem também janelas para desferirmos contra-ataques. O interessante aqui é que certas investidas só poderão ser evitadas com um dos métodos, o que torna as batalhas mais variadas e desafiadoras.
Alguns inimigos em Clair Obscur: Expedition 33 ainda contam com pontos fracos, que podem ser atingidos com uma mecânica parecida com a de um jogo em terceira pessoa. Ao mirar e atirar nesses pontos, o dano causado será imenso e o jogador ainda poderá aproveitar vulnerabilidades elementais para ferir os monstros.
Contudo, a complexidade presente nas batalhas e a exigência de reflexos rápidos poderá incomodar quem apenas gostaria de encarar um RPG sem toda a ação dos títulos mais modernos. Embora a criação da Sandfall Interactive ofereça um modo focado na história, onde os combates são menos punitivos e o Quick Time Events (QTE) se tornam automáticos, confesso não o ter experimentado.
De qualquer forma, a curva de aprendizado presente no título é equilibrada e sem o desafio proposto em seus combates, acredito que boa parte da diversão seria perdida. Além disso, entrar em uma batalha e derrotar vários inimigos antes mesmo deles terem a oportunidade de desferir um golpe é algo muito satisfatório.

Crédito: Divulgação / Sandfall Interactive
Passando para a parte técnica, novamente tenho apenas elogios ao Clair Obscur: Expedition 33. Com uma direção artística que consegue ser bela mesmo retratando um mundo em ruínas, não foram poucas as vezes em que interrompi a progressão apenas para admirar os cenários
O nível de detalhes implementado pelo estúdio é alto, com os efeitos durante os combates ajudando a passar a sensação de estarmos em um jogo de ação. O que torna o resultado alcançado pelos franceses ainda mais impressionante é como o jogo se comporta bem em um PlayStation 5, nunca sofrendo com quedas de desempenho. Porém, algumas animações dos personagens, principalmente as faciais, algumas vezes parecem muito artificiais, causando uma chata quebra de imersão.
Já na parte sonora, não tenho o menor receio de dizer que há muito tempo não ouvia uma trilha tão bonita quanto a do Clair Obscur: Expedition 33. Acompanhando perfeitamente o tom do jogo durante todos os momentos e ajudando a construir a atmosfera da aventura, por vezes senti como se estivesse ouvindo as lindas músicas compostas pelo mestre Nobuo Uematsu em seu auge. A trilha é tão impressionante, que em certos momentos ela chega a assumir o protagonismo, algo raro de se ver, ou melhor, ouvir, numa mídia em que a parte visual é tão importante.
Nas redes sociais ou comentários em site até cheguei a ver algumas pessoas reclamando da duração da campanha, que pode ser concluída em cerca de 30 a horas. Para o padrão dos RPGs atuais, esse pode ser considerado um número baixo, mas não concordo com essa crítica.

Crédito: Divulgação / Sandfall Interactive
Parte de pensar desta forma está no tão pouco tempo que temos para jogar, mas acima disso está o fato de sempre defender que mais importante do que centenas de horas de duração, é a intensidade e a qualidade do que um título oferece. Se for para gastar 80, 90 horas em um mundo vazio apenas repetindo as mesmas missões sem graça, prefiro passar um terço deste tempo em algo muito mais centrado e de qualidade.
Além disso, essa é uma obra com um nível de produção muito acima da média, mesmo sendo vendida por um valor bem abaixo do que nos acostumamos a pagar nos lançamentos nesta geração — sem falar em ele estar disponível para os assinantes do Xbox Game Pass.
Em condições normais, essa maior “oferta” poderia indicar um produto de baixa qualidade, mas isso não poderia estar mais longe da verdade quando se trata do Clair Obscur: Expedition 33. Com seu excelente enredo, gráficos muitos bonitos e combate envolvente, o jogo mostra que, desde que seus criadores não temam inovar, há espaço para todos os tipos de RPGs, mesmo aqueles que na teoria podem soar ultrapassados.
Com esse título, a Sandfall Interactive se coloca em um seleto panteão de empresas que ousaram desafiar as gigantes do gênero, como Atlus, Square Enix e Monolith Soft, e em certos aspectos, como a criatividade, até as superaram.