Ame-o ou odeie-o, Christopher Nolan já se consolidou como um dos diretores mais interessantes de sua geração, se não um dos melhores. Desde o ótimo Amnésia (2000), seu cinema ficou marcado pelas tramas incomuns, grandiosas, complexas. Com a sombra criada pelo seu último trabalho autoral, A Origem (2010), a expectativa em torno de Interestelar tomou proporções gigantescas. A escolha da temática de viagem espacial ajudou a aumentar ainda mais a responsabilidade do diretor, por tornar inevitáveis comparações das quais tratarei mais adiante. O ponto é que Interestelar é, talvez, um dos filmes mais honestos de Nolan, em seus acertos e em suas falhas.

A trama do filme gira em torno do personagem de Matthew McConaguey, nos apresentado apenas como “Cooper”. Em meio a um mundo estéril, em que todos os esforços se voltaram para a produção de alimento, Cooper é um agricultor que planta milho e vive com seus dois filhos, Tom e Murph, e com seu sogro, Donald. Piloto espacial aposentado devido a um acidente, por, de certa forma, um acaso do destino, Cooper acaba se ligando com o que parece ser o último programa espacial ainda ativo. Sem alternativas de sobrevivência restantes no planeta Terra e sendo, aparentemente, o único piloto com experiência real, Cooper se vê obrigado a deixar sua família para trás e embarcar junto a outros astronautas na missão de encontrar um novo lar para a humanidade, por meio de um buraco de minhoca que lhes permite ir a outra galáxia.

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Como podemos perceber, o filme parte de uma premissa que não é nem um pouco original, já que o cinema e outras mídias diversas vezes já exploraram a ideia de uma “última missão definitiva para salvar a humanidade”. A grande ideia no roteiro de Interestelar é como ele lida com conceitos da física, em especial os conceitos de gravidade e tempo. Tempo, especialmente, que afeta a trama de forma brutal. Mais do que apenas combustível ou outros recursos físicos, um dos grandes dilemas da tripulação da nave escolhida para essa última missão, a Endurance, é o tempo que será gasto ao entrar em planetas em que o tempo passa de forma muito mais rápida que na Terra. O segundo ato, já durante a viagem, utiliza desse recurso de forma magistral. Nolan é famoso pelo realismo em seus filmes, portanto, ele e sua equipe tiveram muito cuidado em estar o máximo possível em conformidade com a ciência, trabalhando diretamente com cientistas e em especial, Kip Thorne, a maior inspiração para o filme. Isso, obviamente, não significa que o filme é cem por cento fiel a realidade, dando escorregadas aqui e ali, como ressaltou o próprio Kip Thorne.

Um dos ponto mais fortes de Interestelar é sua ambientação. A Terra é retratada sempre como um lugar seco, com muito poeira, e os diálogos expõem diversos fatores que ajudam a compor ainda mais esse cenário de desolação, como a falta de perspectiva da população, a manipulação da educação, a praga que assola todas as plantações. No espaço, a ideia técnica de Nolan de não usar chroma key (o famoso fundo verde) e sim projeções reais do espaço funcionou muito bem. O diretor, que usa o mínimo possível de efeitos digitais e prefere filmar ainda em película de 70mm, mostra que é possível ainda extrair imagens absurdamente bonitas dessa técnica. Visualmente, Interestelar funciona muito bem, é um filme belíssimo e que merece ser assistido em IMAX (a tecnologia para a qual foi projetado) ou na maior tela que se tiver a disposição.

Interstellar-3Talvez a ausência do fundo verde tenha ajudado a construir outro ponto forte de Interestelar, as atuações, talvez as melhores que vimos em um filme de Nolan até agora. Não é de hoje que o oscarizado McConaughey acordou e resolveu ser um dos melhores atores da atualidade, sua emoção chega a salvar os momentos mais fracos do filme que com um ator mais fraco seriam um completo desastre, conforme veremos a seguir (calma, eu vou chegar lá). Além dele, todo o elenco apresenta atuações, se não boas, ao menos convincentes. Destaco a atriz Mackenzie Foy, de 14 anos, que faz Murph, a filha de Cooper, que entrega uma ótima atuação e é sem dúvida um nome a se acompanhar. Anne Hathaway, que volta a colaborar com Nolan, está também afinadíssima no papel de Brand, uma das astronautas e filha de, também retornando, Michael Caine, o professor que dá início a toda a missão.

Mas, infelizmente, nem tudo são flores em Interestelar. Como destaquei no início, Nolan sempre buscou trabalhar com tramas complexas, mas a forma como faz isso acaba por não ser muito sutil. Em outras palavras, seu filmes tem muitos diálogos explicativos. Aqui, temos conceitos de física quântica reais sempre trabalhados, então há uma óbvia necessidade de exposição, porém, algumas partes do filme, em especial o primeiro ato, acabam por soar como uma aula, com longos diálogos entre personagens que são doutores recapitulando e explicando todas as suas ações.

Isso nos leva a, talvez, o maior problema em Interestelar. Se em A Origem o grande ponto do filme foi, depois de uma grande explicação de conceitos e toda a ação envolvida em torno deles, Nolan ter deixado a cargo do espectador decidir o que houve, Interestelar vai pelo caminho contrário e nos pega pela mão explicando tudo e amarrando todas as pontas possíveis. Mais do que isso, com a construção ideal para um final memorável, o filme joga isso para lado e opta por um final idealizado. Quanto a isso, fica uma observação. Esse final idealizado gerou em muitas pessoas certa repulsa, o que não foi o meu caso. Se você, durante mais de duas horas de filme, se envolveu de tal forma com os personagens a se envolver emocionalmente, talvez esse final idealizado não seja tão ruim quanto parece. Ainda há certa defesa de que ele está lá justamente para poder trabalhar os conceitos mais complexos e abstratos da teoria de Thorne, o que não tenho base científica para dizer se está correto.

Interestelar é, também, um filme sobre a paternidade. O que faz com ele se foque muito na complicada relação entre Cooper e sua filha Murph. Essa forma é trabalhada de uma maneira bem clássica, e pode chegar a soar “cafona”, como muitos críticos têm apontado, mas é, sem dúvida um dos pilares do filme. Há, porém, um grande desbalanço em Interestelar, que talvez seja intencional. É um filme que sem dúvida quer falar de sentimentos e de ciência ao mesmo tempo, em que grande parte dos personagens são racionais, o que faz com sejam racionais também para falar de sentimentos, o que gera estranheza em certos momentos.

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Talvez boa parte desses problemas que listei se tornem justificados quando temos o conhecimento de que o irmão de Nolan, Jonathan Nolan, co-roteirista do filme e tradicional colaborador do irmão, escreveu inicialmente Interestelar pensando em Steven Spielberg. A obra de Spielberg é marcada pelo tema da família, e praticamente construiu essa interpretação clássica dos sentimentos no cinema que hoje é tida como “cafona”. Assim, Interestelar é um filme muito mais focado no “coração” do que na “razão”, e apesar de haver óbvias inspirações visuais é muito mais comparável a filmografia de Spielberg do que com 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick ou Solaris (1972) de Andrei Tarkovski, que possuíam visões artísticas completamente diferente do proposto por Spielberg. É provável que o projeto de Jonathan ter sido assumido por seu irmão, Christopher, um diretor muito mais racional e realista que Spielberg, tenha contribuído para toda essa irregularidade.

Uma última observação a ser feita é sobre a trilha sonora de Hans Zimmer, inspirada principalmente pelos clássicos já citados, é uma das melhores trilhas já compostas por Zimmer, mantendo o equilíbrio entre o minimalismo e a grandiosidade necessárias.

Interestelar não é uma obra prima e nem o melhor filme de Nolan, mas não é um filme ruim, muito pelo contrário, passa bem longe disso. Tem seus problemas de narrativa e ritmo, mas é uma obra visualmente linda, com ótimas atuações, grande ideias e grandes acertos que merece ser assistida de coração aberto.

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Estudante de Comunicação Social, interessado em cinema, música e tecnologia (mas geralmente, jogos). Vive embaixo de uma pilha de entretenimento maior do que pode consumir e gosta disso.